sexta-feira, 6 de março de 2009

Sophies, Aracys e Diadorins...




Ao refletir sobre as conquistas femininas, ao longo do tempo, não se pode deixar de considerar que elas sempre estiveram, de algum modo, relacionadas à coragem de mulheres que desafiaram padrões de seu tempo e ousaram se apropriar da verdadeira fonte de poder: o conhecimento.

Um exemplo nesse sentido foi dado pela francesa Sophie Germain, na primeira metade do século XIX. Ela tinha extraordinária aptidão para matemática, mas teve que se passar por homem, adotando o nome de August Le Blanc para estudar na Escola Politécnica de Paris, que naquela época ainda era uma academia de ciências reservada aos homens. Numa época em que as mulheres eram proibidas de estudar temas científicos, Sophie lia, às escondidas, sobre a Física de Newton, e a Matemática de Euler, depois que seus pais se recolhiam para dormir. Seu talento era tão notório que os maiores matemáticos europeus, como o francês Joseph-Louis Lagrange e o alemão Carl Friedrich Gauss, correspondiam-se com esse "Le Blanc", sem saber que “ele” era ela. A correspondência de Sophie com o matemático Adrien-Marie Legendre trouxe contribuições importantes para a Teoria dos Números. Em seu atestado de óbito, porém, ficou registrado apenas que se tratava de “mulher solteira, sem profissão”, em vez de “matemática” ou “cientista”. Esse final de vida melancólico que, numa análise mais apressada, poderia ser considerado um fracasso, demonstra que o sucesso não está relacionado a nenhuma espécie de reconhecimento póstumo que se possa vir a ter, mas sim à liberdade de construir, em vida, uma trajetória capaz de dar sentido à nossa existência humana.

Outro caso notável é o de Aracy Guimarães Rosa. Ela é conhecida de muitos por ter sido a segunda esposa do genial escritor, tendo vivido, antes, por vários anos, um romance proibido com ele. Poucos sabem, contudo, de outros aspectos tão ou mais instigantes de sua vida. Aracy nasceu em 1908, no interior do Paraná, e cresceu em São Paulo. Casou-se com um descendente de alemães, teve um filho e separou-se antes de completar 30 anos, o que naquela época era um escândalo. Culta e dedicada aos estudos, ela não sucumbiu às adversidades e foi para a Alemanha com o filho, conquistando um cargo graduado no consulado brasileiro em Hamburgo. Foi nesse período que sua história se cruzou com a de Guimarães Rosa. Aracy demonstrou ser uma mulher de grande força e personalidade, merecendo inclusive a dedicatória de Rosa na epígrafe da obra-prima Grande Sertão: Veredas: “A Aracy, minha mulher Ara, pertence este livro”. Ela, contudo, não foi musa inspiradora gratuitamente. Aracy atuou ativamente no consulado, no período da 2ª. Guerra Mundial, outorgando vistos a judeus desesperados para saírem da Alemanha e salvando, assim, inúmeras vidas. É interessante, portanto, observar que apesar de, em 1934, Guimarães Rosa ter sido aprovado em segundo lugar no Itamarati e ingressado na carreira de diplomata, é Aracy quem integra a seleta lista de 18 diplomatas que entraram para a história e são homenageados no Museu do Holocausto, em Jerusalém, por terem arriscado suas vidas ao lutarem contra os terrores do nazismo.

Duas histórias, duas mulheres, e uma única saída: a educação. Mas, e quanto a nós, mulheres brasileiras do século XXI? Dados indicam que nosso pais está entre os 24 do mundo que têm assegurado as mesmas oportunidades de acesso à educação aos sexos masculino e feminino (Relatório do Fórum Econômico Mundial, 2008), o que já é ótimo. Apesar desse resultado positivo, o país figura, no entanto, apenas em 73º. lugar no ranking que mede a igualdade existente entre os sexos nos campos da economia, saúde, educação e política. O desafio agora é o de assumirmos nossa porção Diadorim (personagem ilustre de Guimarães Rosa - mulher que se passou por homem para sobreviver no árido sertão brasileiro), aproveitando esses indicadores favoráveis quanto à igualdade dos sexos no acesso à educação e não nos deixando intimidar pelos obstáculos que se impõem ao longo do caminho. Somente dessa forma nos sentiremos mulheres instruídas e vencedoras, que tomam nas mãos as rédeas de suas vidas.


Texto em comemoração ao Dia Internacional da Mulher.

                                                              F. 

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