segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Vicky Cristina Barcelona


Vicky Cristina Barcelona, mais um filme de Woody Allen.

A crítica especializada apontou alguns problemas em relação ao filme. Fora de seu habitat natural, a insandecida New York, ou mesmo do fog londrino, que por sinal combina bem com as neuroses de seus personagens, Allen foi acusado de não compreender a sinuosidade, a "latinidade" e o colorido de Barcelona. Segundo os "experts", a câmera reproduz o olhar de um turista, algo (na minha crítica não tão especializada) que poderia ser trágico, não fossem as personagens centrais duas... turistas americanas.


Sempre tive a impressão, agora amparada por Allen, de que turistas, por mais que tentem se "aculturar", ou seja, absorver o modo de vida local, permanecem estrangeiros. Assim, natural que o cenário do filme sejam os pontos turísticos. Todos querem ultrapassar o óbvio, mas o olhar turista sempre pende para o óbvio, pois para ele aquilo não é óbvio. (é como pensar: quando for a Paris, não quero ver a Torre Eiffel ou o Arco do Triunfo, são lugares muito óbvios...como assim?). Bem, mas achei diferente a visão dele sobre Barcelona: os lugares são conhecidos, mas as cores vivas não aparecem de jeito nenhum. Então, o olhar continua a ser o dele. A novidade é o clima romântico que não é tipicamente "woodyalleniano", traduzido pelos cafés ao luar de Olviedo, com suas velas, luzinhas e violões ao fundo, pelas casas antigas com suas trepadeiras, cheias de personalidade e história. Tudo tão lindo, deu vontade de estar lá.


Mas vamos ao ponto: eu achei o filme interessante. Por quê? Porque como sempre, saio dos filmes de Allen com várias perguntas na cabeça e com cada vez menos respostas prontas... E não seria essa a finalidade da arte? Na verdade, algo mudou em Allen... Como o tema do filme é o amor romântico, em suas variadas combinações, a veia questionadora de Allen foi obrigada a se render a alguns "clichês", e essa é a maior crítica que ele sofre, mas também a maior ousadia que ele comete... Como seria possível não haver "clichês" em se tratando de amor, de romance? Pareceu-me natural que os personagens caíssem nessas armadilhas.... (e quem não cai?). Eu ia estranhar se um certo ar "ridículo" não estivesse presente nessa teia construída em torno das impressões sobre o amor romântico.

Li na Folha uma crítica apontando que o olhar de Allen sobre Barcelona é preguiçoso... mas se partirmos desta premissa (e eu não concordo com ela! Woody Allen preguiçoso ???), observamos que talvez seja porque Barcelona é um elemento secundário no fime, é figurante e não ator principal. O centro de tudo é a busca incessante de Allen por confrontar personagens, cada qual com seus conflitos internos, expondo-os ao contato uns com os outros que acaba por modificá-los, que os tornam o que são...humanos, escancaradamente humanos.


Assim, surgem as turistas americanas, interpretadas por Rebecca Hall e Scarlett Johansson. Uma disposta a tudo e a outra disposta a nada. No âmbito das emoções, porém, as coisas se invertem. Mudam pra não mudar. Retorna-se, então, à primeira cena do filme.
Surgem também os artistas passionais, interpretados por Javier Bardem e Penélope Cruz, que pretendem se amar loucamente, mas não conseguem viver esse amor. Talvez porque mais forte do que o amor seja a posse, a canibalização, a vontade de autodestruição e de destruição do outro. Confusão comum, acontece.

Enfim, tudo parece amor, tem o cheiro do amor, as cores do amor, a trilha sonora do amor. Mas não é certo que nada vivido ali seja realmente amor, como também não é certo que não seja amor.Tudo parece amor, ao seu jeito, e tudo não parece amor, também ao seu jeito...

E o resto? Fica nas entrelinhas.Na cabeça e no sentimento de cada um. Pra mim, foi importante ver que a gente pode querer o amor seguro e buscar o inseguro (ou vice-versa) e que a gente pode ler nas pistas do amor inseguro, o amor seguro (ou vice-versa). Resumindo: confusão, caos, neurose, ironia, ingenuidade, vontade.
Woody Allen é assim, e sempre faz sentido.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Woman


"For most of history, Anonymous was a woman." - Virginia Woolf

Ms. Woolf

Ms. Woolf,


li e reli sua carta, suas palavras sensíveis, desesperadas, intransigentes, todas dedicadas ao ser amado, que, estranhamente, reside fora da sua pessoa. Li e reli alguns de seus livros, e é sempre esse mesmo desespero refletido nas páginas, sempre essa rebelião contida no espaço em que cabem as letras, essa luta contra a fatalidade de se fazer humana, frágil, mundana, pretendendo-se gigante, oráculo para as próprias indagações.
É bem verdade que não vi graça nenhuma nas entrelinhas das suas cartas desvairadas de amor. Mas também não deve haver graça nenhuma em não poder escrevê-las ou mesmo em não poder vivê-las (ou sofrê-las).

A sanidade, vamos pensar, é algo que, de certa forma, nunca se fez presente em nossas vidas amargamente femininas. O mundo não transpira perfeição. O homem, esse ser absolutamente imperfeito, doente, entrevado em seus pensamentos tão pouco sadios.

Quanto à condição feminina, esta é toda condenada à dependência cruel, escravizante, de uma aprovação de fora, do elogio das insensíveis bocas masculinas, das noites de luzes apagadas, com o forro dos vestidos de ponta-a-cabeça. Nem mesmo ao nos reconhecermos como loucas, permitimo-nos a experiência da paz, do distanciamento do outro. Temos que expressar, e justificar, o tempo todo, nossos desvarios que já não cabem na solitária mente que os produz.
E mesmo com todas essas objeções, não me julgo diferente em nada, talvez seja mesmo ainda pior. Avançam os tempos, surgem as modernidades tecnológicas, e permanece essa angustiante sensação de que não devemos ser, nem enlouquecer, sem que antes exista alguém, algum ser estranho, estrangeiro, que nos valide.
É belo e altruísta, sim, o gesto de assumir suas desgraças e, sobretudo, de assumir as desgraças que impôs ao homem amado. Antes ele fosse odiado, verbalmente odiado, mas o ódio não se diz, apenas se exerce sobre o outro.
É egoísta, contudo, a sensação de que somos importantes ao sermos dignas de um amor dedicado. É idiota a sensação de que é somente isso de valioso que há na vida. E é ingênua, ou mal-intencionada (a essas alturas, sinceramente, já não sei) a sensação de que o ser amado está disposto a receber tamanha ingratidão, apenas para respirar o perfume que de nosso corpo rescende.
Enfim, isso tudo é feito poeira, cuja matéria-prima são as pequenas partes do todo que categoricamente nos recusamos a enxergar. A vida impregnada desse sofrimento, dessa angústia latente, dessa busca por não-ser, é toda ela justificada pelo pertencer.
Assim, um tanto quanto desolada, despeço-me.


F.



Carta de adeus


'Dearest,
I feel certain I am going mad again. I feel I can't go through anotherone of those terrible times. And I shan't recover this time. I begin to hear voices and I can't concentrate. So I am doing what seems the best thing to do. You have given me the greatest possible happiness. You have been in every way all that anyone could be. I don't think two people could have been happier until this terrible disease came. I can't fight any longer. I know that I am spoiling your life that without me you could work. And you will I know. You see I can't even write this properly. I can't read. What I want to say is that I owe all the happiness of my life to you.You have been entirely patient with me and incredibly good. I want to say that - everybody knows it. If anybody could have saved me it would have been you. Everything has gone from me, but the certainty of your goodness. I can't go on spoiling your life any longer. I don't think that two people could have been happier than we have been.' Unfortunately yours...

Virginia Woolf

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Ensaio sobre a Cegueira


"Este é um livro francamente terrível com o qual eu quero que o leitor sofra tanto como eu sofri ao escrevê-lo. Nele se descreve uma longa tortura. É um livro brutal e violento e é simultaneamente uma das experiências mais dolorosas da minha vida. São 300 páginas de constante aflição. Através da escrita, tentei dizer que não somos bons e que é preciso que tenhamos coragem para reconhecer isso." José Saramago, ao comentar o livro Ensaio sobre a Cegueira.

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