terça-feira, 11 de novembro de 2008

Ms. Woolf

Ms. Woolf,


li e reli sua carta, suas palavras sensíveis, desesperadas, intransigentes, todas dedicadas ao ser amado, que, estranhamente, reside fora da sua pessoa. Li e reli alguns de seus livros, e é sempre esse mesmo desespero refletido nas páginas, sempre essa rebelião contida no espaço em que cabem as letras, essa luta contra a fatalidade de se fazer humana, frágil, mundana, pretendendo-se gigante, oráculo para as próprias indagações.
É bem verdade que não vi graça nenhuma nas entrelinhas das suas cartas desvairadas de amor. Mas também não deve haver graça nenhuma em não poder escrevê-las ou mesmo em não poder vivê-las (ou sofrê-las).

A sanidade, vamos pensar, é algo que, de certa forma, nunca se fez presente em nossas vidas amargamente femininas. O mundo não transpira perfeição. O homem, esse ser absolutamente imperfeito, doente, entrevado em seus pensamentos tão pouco sadios.

Quanto à condição feminina, esta é toda condenada à dependência cruel, escravizante, de uma aprovação de fora, do elogio das insensíveis bocas masculinas, das noites de luzes apagadas, com o forro dos vestidos de ponta-a-cabeça. Nem mesmo ao nos reconhecermos como loucas, permitimo-nos a experiência da paz, do distanciamento do outro. Temos que expressar, e justificar, o tempo todo, nossos desvarios que já não cabem na solitária mente que os produz.
E mesmo com todas essas objeções, não me julgo diferente em nada, talvez seja mesmo ainda pior. Avançam os tempos, surgem as modernidades tecnológicas, e permanece essa angustiante sensação de que não devemos ser, nem enlouquecer, sem que antes exista alguém, algum ser estranho, estrangeiro, que nos valide.
É belo e altruísta, sim, o gesto de assumir suas desgraças e, sobretudo, de assumir as desgraças que impôs ao homem amado. Antes ele fosse odiado, verbalmente odiado, mas o ódio não se diz, apenas se exerce sobre o outro.
É egoísta, contudo, a sensação de que somos importantes ao sermos dignas de um amor dedicado. É idiota a sensação de que é somente isso de valioso que há na vida. E é ingênua, ou mal-intencionada (a essas alturas, sinceramente, já não sei) a sensação de que o ser amado está disposto a receber tamanha ingratidão, apenas para respirar o perfume que de nosso corpo rescende.
Enfim, isso tudo é feito poeira, cuja matéria-prima são as pequenas partes do todo que categoricamente nos recusamos a enxergar. A vida impregnada desse sofrimento, dessa angústia latente, dessa busca por não-ser, é toda ela justificada pelo pertencer.
Assim, um tanto quanto desolada, despeço-me.


F.



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